A literatura bizantina pode ser definida, de maneira geral, como a literatura grega da Idade Média, tanto a que se produziu no território do império bizantino quanto fora de suas fronteiras.
No fim da antiguidade, vários gêneros clássicos gregos, como o teatro e a poesia lírica coral, já tinham há muito se tornado obsoletos, e toda a literatura grega exibia de alguma forma a linguagem e o estilo arcaizantes, perpetuados por um sistema conservador de educação em que a retórica era a matéria mais importante. Os doutores gregos da igreja, produtos dessa educação, compartilhavam os valores literários de seus contemporâneos pagãos. Conseqüentemente, a vasta e dominante literatura cristã dos séculos III ao VI, que criou uma síntese do pensamento helênico e cristão, foi em grande parte escrita numa língua que há muito tempo não era mais falada por todas as classes em sua vida cotidiana. A utilização de duas formas muito diferentes da mesma língua para propósitos diversos caracterizou a cultura bizantina durante um milênio. A relação entre as duas formas, porém, se modificou com o tempo.
O prestígio da língua literária classicizante manteve sua força até o fim do século VI, e apenas algumas histórias populares das vidas dos santos e crônicas escaparam de sua influência. Nos dois séculos e meio que se seguiram, quando a própria existência do império bizantino estava ameaçada, a vida urbana e a educação entraram em declínio, e com elas o uso da língua e do estilo classicizantes. Com a recuperação política dos séculos IX e X teve início um renascimento literário, no qual se fez uma tentativa consciente de recriar a cultura helênico-cristã do fim da antiguidade. Desprezou-se a língua popular e a hagiografia (biografias de santos) foi reescrita em língua e estilo arcaizantes.
Por volta do século XII, a autoconfiança dos bizantinos lhes permitiu desenvolver novos gêneros literários, inclusive o romance de ficção, em que aventura e amor são os principais temas, e a sátira, que eventualmente usava citações do grego falado. O período entre a quarta cruzada (1204) e a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos (1453) assistiu a um vigoroso ressurgimento da literatura classicizante -- na medida em que os bizantinos buscavam afirmar sua superioridade cultural sobre o Ocidente, mais poderoso militar e economicamente -- e, ao mesmo tempo, ao início de uma florescente literatura que se aproximava do grego vernacular. Essa literatura vernacular, porém, limitava-se a romances poéticos, textos de devoção popular e outros afins. Toda a literatura séria continuou a usar a prestigiada língua arcaizante da tradição aprendida.
Didática no tom, e quase sempre também no contéudo, grande parte da literatura bizantina foi escrita para um grupo limitado de leitores cultos, capazes de compreender as alusões clássicas e bíblicas e apreciar as figuras de retórica. Alguns gêneros bizantinos não seriam considerados de interesse literário hoje. Ao contrário, parecem pertencer ao campo da literatura técnica, como é o caso dos volumosos textos dos doutores da igreja, como Atanásio, Gregório Nazianzeno, João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria e Máximo o Confessor.
Poesia não litúrgica. A poesia bizantina continou a ser escrita em métrica e estilo clássicos. Mas o senso de adequação da forma ao conteúdo estava perdido. Um exemplo disso é o trabalho de transição de Nonos de Panópolis, grego de origem egípcia do século V, que se converteu ao cristianismo. Seu longo poema Dionysiaká (Os dionisíacos) foi composto em linguagem e métrica homéricas, mas é muito mais aceito como um longo panegírico sobre Dioniso que como um épico. Contemporâneos de Nonos deixaram poemas narrativos curtos em verso homérico, de conteúdo mitológico.
Um clérigo, Jorge o Pisidiano, escreveu longos poemas narrativos sobre as guerras do imperador Heráclio (610-641), bem como um poema sobre os seis dias da criação do mundo, em trímetros jâmbicos (versos de 12 sílabas, em princípio de três pés jâmbicos, cada um com uma sílaba curta seguida por uma longa). Teodósio seguiu seu exemplo no épico sobre a retomada de Creta dos árabes, no século X.
O verso de 12 sílabas tornou-se a métrica mais utilizada em meados e no fim do império bizantino e serviu de veículo para narrativas, epigramas, romances, sátiras e instruções religiosas e morais. A partir do século XI encontrou um rival no verso de 15 sílabas -- usado pelo monge Simeon de Paflagônia em seus hinos místicos -- que se tornou um veículo para a poesia da corte no século XII.
A nova forma também foi usada pelo metropolita Konstantinos Manasses em sua crônica do mundo e por um redator anônimo do romance épico Digenis Akritas, do século XIII.
Nessa métrica, que não seguiu modelos clássicos, foram escritos os primeiros poemas vernáculos, assim como o romance Calímaco e Crisorroe, entre outros que se incluem entre as mais significativas obras de ficção genuína na literatura bizantina. Muitos desses poemas eram adaptações ou imitações de modelos medievais ocidentais. Essa abertura ao Ocidente latino era nova. Mas mesmo quando se baseavam nos padrões ocidentais, os poemas bizantinos diferiam em tom e expressão de seus modelos.
A poesia bizantina é pouco original, cansativa e entediante. Mas alguns poetas revelam grande inspiração, como João Geometres (século X) e João Mauropo (século XI), ou extraordinário brilhantismo técnico, como Teodoro Pródomo (século XII) e Manuel II Paleólogo (século XIV). A habilidade para escrever versos era generalizada na sociedade bizantina letrada, e se apreciava muito a poesia.
Poesia litúrgica. Desde os primórdios, a canção -- e pequenas estrofes rítmicas (troparia) em particular -- fazia parte da liturgia da igreja. Poemas em métrica e estilo clássicos foram criados por escritores cristãos desde Clemente de Alexandria e Gregório Nazianzeno. Mas as associações pagãs de gêneros, assim como as dificuldades da métrica, tornaram-nos inaceitáveis para o uso litúrgico geral.
No século VI, poemas rítmicos elaborados (kontakia) substituíram a troparia, mais simples. A nova forma devia muito à poesia litúrgica siríaca. O kontakion era uma série de até 22 estrofes, todas construídas com o mesmo padrão rítmico e terminando com um refrão curto. Em conteúdo, era uma homilia narrativa sobre um evento bíblico ou um episódio da vida de um santo. Quase sempre apresentava um forte elemento dramático. O maior compositor de kontakia foi Romanos Melodos (do início do século VI), um sírio provavelmente de origem judaica.
No fim do século VII o kontakion foi substituído por um poema litúrgico mais longo, o kanon, que consistia de oito ou nove odes, cada uma com muitas estrofes, além de ritmo e forma melódica diferentes. O kanon era um hino de louvor mais que uma homilia. Os mais notáveis compositores de kanones foram Andreas de Creta, João Damasceno, Theodoros Studita, Josephos Hymnógraphos e João Mauropo. A música original dos kontakia e kanones se perderam.
Historiografia. Até o início do século VII uma série de historiadores recontou os eventos de seu próprio tempo em estilo classicizante, com falas fictícias e trechos descritivos do ambiente. Procópio de Cesaréia e outros historiadores que se seguiram partiram do ponto em que pararam seus antecessores. Posteriormente, esse veio permaneceu virtualmente extinto durante mais de 250 anos.
O renascimento da confiança na cultura e do poder político no fim do século IX assistiu ao ressurgimento da história classicizante, com interesse no personagem humano -- Plutarco era freqüentemente o modelo -- e nas causas dos eventos. O grupo de historiadores conhecidos coletivamente como os "Continuadores de Teófanes" registrou, não sem parcialidade, a origem e os primeiros dias da dinastia macedônica. Desde então até o fim do século XIV não houve uma só geração sem seu historiador. Os mais notáveis foram Simeon de Paflagônia (século X); Miguel Pselo (século XI); Ana Comnena (século XII); Georgios Akropolita (século XIII); e Nikephoros Gregoras e o imperador Johannes Cantacuzenos (século XIV).
Os últimos dias do império bizantino foram recontados de vários pontos de vista por George Sphrantzes, o escritor conhecido simplesmente como Ducas (que era um membro da antiga casa imperial bizantina homônima), Laonicus Chalcocondyles e Michael Critobulus na segunda metade do século XV.
Outro tipo de interesse no passado era satisfeito pelas crônicas do mundo. Com freqüência ingenuamente teológicas em sua explanação das causas, simplistas na descrição dos personagens, e populares na linguagem, elas ajudaram o bizantino comum a se localizar num esquema de história mundial que era também uma história de salvação. As Chronographia de John Malalas, no século VI, e a Crônica de Pascal (Chronicon Paschale) no século VIII foram sucedidas pelas de Teófanes o Confessor, no início do século IX, e Jorge o Sincelo, no fim do século IX. Tais crônicas continuaram a ser escritas nos séculos seguintes, às vezes com pretensões críticas e literárias, como em John Zonaras, ou numa romantizada forma de verso, como em Konstantinos Manasses.
A importância que os governantes bizantinos deram à história se comprova na vasta enciclopédia histórica compilada por ordem de Constantino VII (913-959), em 53 volumes, dos quais somente poucos fragmentos permanecem.
Retórica.
Embora não houvesse oportunidade para oratória forense ou política no mundo bizantino, manteve-se o gosto pela retórica e pela linguagem bem-estruturada, pela escolha e pelo uso de figuras de linguagem e de pensamento. Do século X em diante sobrevive um vasto corpo de elogios, orações funerais, palestras inaugurais, discursos memoriais e de boas-vindas, celebrações de vitória e panegíricos variados. Essa profusão de retórica elaborada desempenhou um importante papel na formação e no controle da opinião pública nos círculos fechados e influentes, e ocasionalmente serviu de veículo para uma controvérsia genuinamente política.
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